Resposta da Secção Internacional do KKE à carta do PCE-IU

Luta para o derrube do capitalismo e não para o
seu branqueamento
3/12/2011
Ao Partido Comunista de Espanha e à Esquerda Unida
Camaradas,
Lemos a vossa carta, já publicada, na qual se
perguntam em que se baseia a avaliação do artigo do nosso jornal
«Rizospastis», publicado a 22 de novembro, sobre as recentes
eleições em Espanha, onde se mencionava «que a Esquerda
Unida enredou os votantes em ilusões de uma 'melhor gestão' do
sistema capitalista».
A verdade é que a própria
participação do Partido Comunista de Espanha na presidência
do chamado «Partido da Esquerda Europeia», que incluiu nos seus
documentos fundadores a protecção dos «princípios da
UE» e se baseia em posições que defendem a gestão do
capitalismo, responde a isso.
Contudo, depois da vossa carta, é
necessário colocar algumas questões básicas, citando
apenas alguns extractos dos muitos que se pode encontrar no programa eleitoral
da «Esquerda Unida», que documentam e justificam esta crítica
concreta do artigo do nosso jornal.
Mais em concreto, no programa da IU:
Nunca se coloca como condição para o
bemestar do povo o derrube do poder do capital e a construção do
socialismo. Pelo contrário, fomentase uma série de ilusões
de que na via do desenvolvimento capitalista pode existir uma saída da
crise a favor do povo.
O objetivo
da «boa gestão» do sistema é declarado abertamente na
página 6 do programa: «…não renunciamos à
gestão do imediato». Estrategicamente, isto é documentado
na página 18, através da «construção de um
novo modelo produtivo», que se baseia, sempre, nas antigas e antiquadas
relações de produção exploradoras capitalistas. Na
página 6, colocase o objectivo não do derrube do capitalismo mas
da «superação do modelo social, político e cultural
atual dominado pelo neoliberalismo». Por outras palavras, o vosso enfoque
do problema centrase numa forma de gestão do capitalismo (o
neoliberalismo) e defende outra supostamente melhor gestão. Isto
é, para falar sem preâmbulos, o núcleo do programa da IU
limitase à gestão socialdemocrata.
Promovese a ideia de que o Estado capitalista pode ser um
escudo para os direitos da classe operária e do povo. Contra a
própria realidade, que demonstra que o Estado capitalista é
classista, promove os monopólios e, mais ainda, nas
condições de liberalização do capital promove
decisivamente a barbárie nas relações laborais, nos
salários e ataca todos os direitos da classe operária.
No quadro do
branqueamento do Estado capitalista, o programa menciona na página
22: «Propomos o Estado Social Participativo que,
mantendo a centralidade do Estado, promova o interesse colectivo, a equidade e
a solidariedade...».
Na mesma linha: «O Estado deve reequilibrar o
mercado, não apenas corrigilo». Ou seja, fomentase a utopia de que
a economia capitalista e o podre sistema capitalista podem supostamente ser
controlados, podem ser «equilibrados» e que os operários
beneficiarão com isso. Este apelo cria, indubitavelmente,
confusões nos trabalhadores, impede o esforço de radicalização
e leva à incorporação de forças populares nos
objetivos das forças do capital.
Na página 7, colocase o objectivo de: «Criar
emprego a partir do setor público, porque hoje as empresas têm
muitas dificuldades para o criar sem ajuda». Enquanto a classe
operária é levada à pobreza e à indigência, o
programa da IU expressa a sua ansiedade sobre... as «muitas
dificuldades» que os capitalistas têm e legitima basicamente os
seus pedidos de dinheiro fresco do Estado, um apoio que constitui o
veículo para os cortes ou a eliminação de subsídios
de desemprego em nome da subvenção do trabalho –
princípio da União Europeia de que a Esquerda Unida é uma
firme defensora. Além disso, não deve haver qualquer
dúvida quanto às relações laborais que
deverão ser aplicadas no emprego, como se declara na página 7,
com os termos que a União Europeia e a Associação dos
Industriais utilizam: «redistribuir e racionalizar o emprego
existente». Tudo isto significa para a classe operária que a IU
dá luz verde aos horários de trabalho flexíveis, à
abolição das contratações coletivas e à
generalização do trabalho a tempo parcial.
Reproduzse a conceção burguesa e
oportunista de que a crise capitalista é uma crise de dívida,
quando a causa da crise é a sobreacumulação de capitais. A
dívida é apresentada como um problema da classe operária e
do povo, que não são disso responsáveis – é a
plutocracia que deve pagála.
Assim, de modo
enganoso, sustentase que os povos podem ter algo a ganhar com a
renegociação da dívida e a emissão de
obrigações pela União Europeia (pág. 18).
Não é isto uma «receita» de gestão para os
impasses capitalistas? Contudo, o povo grego tem uma amarga experiência
dos novos empréstimos que é obrigado a pagar, tal como aconteceu
com o conhecido corte de 50%, assim como com a proposta de setores da plutocracia
de emissão de obrigações pela UE.
O vosso programa está firmemente voltado para o
apoio à UE imperialista – que é um inimigo dos povos
– e transmite preocupação com a sua salvação
e «correção» e não com a sua
dissolução.
Referese a uma
«mudança completa no modelo da construção da
UE» (pág. 17) e mencionase que «nos comprometemos a alterar
substancialmente a actual Política Externa... da UE» (pág.
82), sem questionar, nem sequer por um momento, esta união interestatal
imperialista e, mais ainda, sem mencionar a necessidade de saída dela de
todos os países.
De facto, legitimase inteiramente os critérios de
Maastricht e dos pactos de estabilidade, que são a alavanca para a
promoção da política antioperária, através
da proposta de «aumentar o prazo para reduzir o défice para 3%
até 2016» (pág. 17). Declarase a lealdade aos
critérios que o grande capital estabelece para reduzir ainda mais o
preço da força de trabalho.
Mencionase que «A União Europeia deve
proceder à compra da dívida soberana dos membros e emitir
obrigações próprias até onde for necessário
para impedir a especulação» (pág. 18). Ou seja,
fomentase a lógica de que a UE pode adquirir um carácter
própopular e que através dela há uma saída para a
crise que pode beneficiar a classe operária e as camadas populares
pobres. Mas é sabido que a União Europeia foi criada pelos
governos burgueses, por um lado para defender os monopólios europeus na
concorrência internacional com os monopólios norteamericanos,
russos, japoneses e chineses, e, por outro, para explorar com maior intensidade
e de maneira coordenada os trabalhadores, protegendo o poder burguês com
novos mecanismos políticos e repressivos. Isto é a União
Europeia, uma união que serve os monopólios! Não se pode
corrigir por dentro, porque os monopólios são a sua
«célula» e o poder burguês a sua «coluna
vertebral». A única perspectiva própopular para os
trabalhadores é a saída dos países desta união e o
estabelecimento do Poder Popular, que conduzirá à
socialização dos meios básicos de produção,
à planificação centralizada e ao controlo operário.
Só este poder pode salvar o povo da enorme dívida pública,
na qual não tem qualquer responsabilidade.
O vosso programa apela à União Europeia
para que estabeleça uma exceção à liberdade dos
movimentos de capitais entre os Estados membros e os paraísos fiscais
(pág. 12). Quer dizer, não se opõe em geral à
liberdade do movimento de capitais (um princípio básico do
Tratado de Maastricht, que o PEE e a sua presidência – em que
participa o Partido Comunista de Espanha – apoiam) e pede
exceções para a regra geral, que naturalmente se mantém
válida e é uma ferramenta nas mãos do capital para esmagar
as conquistas e os direitos dos trabalhadores e do povo. Estas propostas
são também propostas de gestão e não do derrube da
barbárie capitalista.
De facto, o vosso programa branqueia o capitalismo e
promove a ideia de que o capital e o seu poder, que se baseiam na
exploração capitalista, podem ser supostamente
«morais» e«justos».
O que mais
pode ser a posição que se segue (pág. 51) senão a
descrição de uma suposta «boa gestão» do
capitalismo? «Caso se iniciem processos de privatização, a
IU comprometese a lutar contra eles, em colaboração com os
sindicatos e movimentos sociais, exigindo que esta decisão seja pelo menos
adotada com transparência e de forma democrática, com a
participação efetiva dos cidadãos afetados»; assim
como, na página 81, o objetivo de «conformidade dos acordos
comerciais com os direitos humanos». Ou seja,
privatizações, acordos comerciais capitalistas com...
ética e com transparência, um... capitalismo moral que, segundo o
programa da IU e das posições do PEE, é possível.
Camaradas,
O que anteriormente se referiu é apenas uma
amostra das posições que confirmam a crítica do jornal do
KKE. Estas posições não têm nada a ver com a luta
pelo derrube do poder capitalista; pelo contrário, proporcionam um
álibi ao capitalismo, fomentam ilusões e servem a sua
perpetuação, sobretudo num período em que cada vez mais
operários e trabalhadores se apercebem dos seus impasses e procuram uma
saída da barbárie capitalista.
Esta saída não pode ser o chamado
«Socialismo do século XXI», que constitui uma
negação do socialismo científico, do poder
operário, da socialização dos meios de produção
e da planificação centralizada, e constitui na essência um
capitalismo humanizado, impossível de existir.
Por último, na vossa carta ao nosso Partido,
mencionam que “já é hora da unidade da esquerda
consequente, com o fim de convergir...». A linha socialdemocrata de
gestão de um capitalismo humanizado e a negação do
socialismo construído no século XX – através de
posições anticientíficas, que carecem de base
histórica – são a base ideológica e política
da chamada «unidade da esquerda». Estas posições
obstaculizam a luta de classes, a concentração de forças
sociais e populares contra a via de desenvolvimento capitalista. E isto ocorre
em condições em que a acção coordenada conjunta da
classe operária, dos trabalhadores independentes, dos pequenos e médios
camponeses, das mulheres e da juventude é imprescindível para o
fortalecimento da aliança popular e da luta pelos interesses dos
trabalhadores e pelo derrube do poder dos monopólios.
Esta linha é ainda confirmada pela nossa
experiência, pelo desenvolvimento da luta de classes na Grécia
onde, como é sabido, com a participação decisiva da PAME,
se organizaram mais de 22 greves gerais, numerosas lutas de classe sob
várias formas, sob a consigna «sem ti nem uma engrenagem sequer se
mexe, os operários podem prescindir dos patrões», centrando
a atenção na organização da luta nas
fábricas e nos locais de trabalho.
Camaradas,
Respondendo ao vosso pedido, vamos publicar no nosso
jornal, o «Rizospastis», a vossa carta e a nossa resposta para que
os trabalhadores se informem das posições do vosso partido e
tirem as suas próprias conclusões.
A Secção de Relações
Internacionais do CC do KKE
1 KKE: sigla
em grego de “Partido Comunista da Grécia”. [NT] 2 PCE-IU:
Sigla espanhola de “Partido Comunista de Espanha” e de
“Esquerda Unida”. [NT]
e-mail:cpg@int.kke.gr