Frente contra as guerras e intervenções imperialistas
Entrevista publicada em “Rizospastis”1, em
30 de abril de 2011
Entrevista
com Elisseos Vagenas, membro do CC e responsável pela
Secção de Relações Internacionais do CC do KKE,
sobre os desenvolvimentos da situação na Síria e na
região em geral.
Conversámos
com Elisseos Vagenas, membro do CC do KKE e responsável pela sua
Secção de Relações Internacionais, sobre os velozes
acontecimentos que ocorrem na Síria e na região em geral e a
avaliação que o Partido faz.
Recentemente,
no dia 20 de Março, o CC do KKE publicou a sua Resolução
sobre os desenvolvimentos na nossa região. Contudo, os acontecimentos
desenvolvemse com grande rapidez. O que mudou nestas semanas?
Claro que os acontecimentos se desenvolvem rapidamente! No
entanto, as conclusões básicas do CC do KKE continuam
válidas. Na nossa
região (Balcãs, Mediterrâneo Oriental, Médio
Oriente, Norte de África, Cáucaso) estão a desenvolverse
acontecimentos graves e perigosos, que se caracterizam pela intensidade das
contradições entre as potências imperialistas, numa
região que tem grandes recursos energéticos e constitui um
“ponto de passagem” de matériasprimas da Ásia
Central, do Mar Cáspio e do Médio Oriente, tanto para o Ocidente
como para as potências da Ásia (China, Índia, etc.), que emergem
com rapidez.
Os mais poderosos
monopólios, as uniões imperialistas e as potências
imperialistas emergentes envolveramse numa rede de luta e
contradições. No quadro do sistema imperialista, as classes
burguesas da região procuram “eixos” de alianças e
procedem a alianças e compromissos de modo a beneficiar da luta
pelos recursos naturais e pela partilha dos mercados.
Ao mesmo tempo, vemos que a ONU,
a NATO, os corpos policiais e militares da UE, as bases militares e as frotas
navais são usados nessa luta, sob vários pretextos.
Desde que se publicou a
Resolução do CC do nosso Partido verificaramse vários
acontecimentos, dos quais os mais importantes foram a aberta
intervenção imperialista na Líbia, com a decisão do
Conselho de Segurança da ONU, e a direta intervenção
militar imperialista das forças na ONU e da França na Costa do
Marfim, assim como os acontecimentos sangrentos no Iémen e na
Síria. Os acontecimentos desenvolvemse rapidamente, assumindo aspectos
diferentes em muitos países e regiões. Mas colocam
continuamente, de uma forma cada vez mais persistente, a questão da
relação entre o capitalismo, a crise e a guerra.O que temos
registado teoricamente e com base na experiência histórica
está a ser confirmado pelos recentes acontecimentos.
As manifestações
na Síria têm as suas raízes no próprio país.
Nos problemas económicos, sociais e políticos que a classe
operária e os outros estratos populares estão a viver. Todavia, é
óbvio que estão a ser usados pelas forças burguesas e os
centros imperialistas.
Os meios de
comunicação gregos e internacionais apresentaram os
acontecimentos na Síria como outro “levantamento” popular,
com reivindicações democráticas, afogado em sangue pelas
autoridades. Que posição tem o KKE face a estas
mobilizações, sobretudo tendo em conta a solidariedade que
manifestou para com as manifestações no Egipto e na
Tunísia?
Seguimos com grande atenção os
desenvolvimentos na região e não a partir de uma fonte apenas. O
KKE está acostumado a tomar posições públicas de
forma responsável e a informar cuidadosamente os trabalhadores do nosso
país sobre os desenvolvimentos a nível nacional e internacional.
Examinamos as
mobilizações em que participam forças populares a partir
dos objectivos que são colocados pelas forças sociais e
políticas que actuam no país, assim como pelas forças
externas implicadas nesta mobilização. As consignas utilizadas
nem sempre deixam isso claro. Cabe lembrar que no passado recente tivemos a
experiência de manifestações operárias e populares
que, em nome da “democracia” e da “liberdade”,
assumiram uma posição reaccionária e
contrarrevolucionária – por exemplo, na Polónia, no
período do “Solidariedade”.
Isso é ainda mais verdade
hoje, na medida em que há muitos factos que mostram a
distorção de acontecimentos, em larga escala, por parte dos meios
de comunicação burgueses internacionais, orquestrados pelo famoso
canal Al Jazeera, com sede no Qatar e que se está a tornar o
“cavalo de Tróia” electrónico da classe burguesa
daquela região, que apoia a modernização burguesa, a
nível político e económico, nos países do Norte de
África e do Médio Oriente, assim como os planos imperialistas
para o “Grande Médio Oriente”.
Que plano é este? Que
objectivos serve?
Como a Resolução do
CC assinalou, os principais objectivos dos imperialistas
– e não os pretextos (como a
“democracia” e a “não proliferação das
armas nucleares”) –, promovidos por esses planos, são:
A modernização
burguesa dos regimes na
região, tanto na base económica como na superstrutura
jurídicopolítica para garantir, na medida do possível, uma
base estável para a expansão dos grupos monopolistas nos mercados
da região e o reforço do seu papel a nível internacional.
A garantia do seu acesso aos
recursos de energia da região e a novas jazidas no Mediterrâneo
oriental.
O controlo de uma grande
área que é um “ponto de passagem” de
comércio e transportes.
É óbvio que cada
potência imperialista tem os seus objectivos individuais. Por isso, os
esforços dos EUA encontram, sem dúvida, e continuarão
a encontrar a oposição de potências rivais (sobretudo
dos principais países da UE, da China e da Rússia). Desde que
ponham em perigo os seus planos de penetração na região,
para que os seus monopólios daí saquem idênticos
benefícios. É no quadro destes antagonismos que devemos
compreender a partilha do Sudão, que está a avançar, assim
como a intervenção estrangeira na Costa do Marfim,a intervenção
militar imperialista na Líbia e o plano para a sua possível
partilha.
Estes desenvolvimentos podem levar
a um cenário geral de desestabilização de uma grande
região, que criará problemas de fornecimento de energia
à UE – rival dos Estados Unidos –, assim como de
penetração de capitais e mercadorias chinesas na UE e
África.
O imperialismo, como fase superior
do capitalismo, tornase mais perigoso nas condições de crise
capitalista. Além disso, pode servirse da situação
criada para mitigar as consequências da crise capitalista global e canalizar
capital para guerras na região.
Os desenvolvimentos na
Síria estão
ligados a estes planos. O que transparece das declarações e
posições oficiais das potências imperialistas, dos
EUA e da UE, assim como do envolvimento de potências regionais, como
a Turquia e o Irão.
Quer dizer que os acontecimentos
na Síria são fabricados de fora do país? Que são um
“instrumento” para o derrube do governo e do Presidente Assad?
É claro que os
acontecimentos que se desenvolvem na Síria têm as suas
raízes no interior do país, nos problemas
económicos, sociais e políticos que a classe operária e os
outros sectores populares sofrem. Estes problemas têm vindo a agudizarse
nos últimos anos, devido às políticas de
privatizações, de corte de direitos e rendimentos dos
operários e das camadas populares, políticas promovidas a favor
da burguesia nacional. O KKE apoia as mobilizações populares que
lutam pela resolução dos problemas do povo e o direito dos povos
a lutar, como a longa história do nosso partido demonstra. Neste
sentido, o nosso Partido procura estudar a fundo os desenvolvimentos complexos
como são os de hoje.
Portanto, é preciso
assinalar que hoje em dia muitos elementos indiciam que se está a
pretender fazer uma intervenção imperialista nos assuntos
internos da Síria a partir do estrangeiro, assim como a
manipulação dos trabalhadores dos outros países, com
informação falsa sobre os acontecimentos na Síria. Por
exemplo, muitos dos assim chamados
“vídeos/documentários” que nos mostram são
filmados noutros países ou noutras situações. Esta linha
de manipulação da opinião pública levou, recentemente,
a demissões de jornalistas da Al Jazeera.
Todos os dias surgem dados que
revelam intervenções de países vizinhos (Arábia
Saudita, Turquia); dados que mostram o esforço de
agudização e exploração de conflitos religiosos e
que falam de grupos que se armam e se treinam no estrangeiro. Há que ter
tudo isto em conta.
Claro que os EUA, a UE e Israel
estão interessados na desestabilização e no
enfraquecimento de um regime burguês que faz alusões
antiimperialistas e é aliado de forças antiimperialistas na
Palestina, no Líbano, etc. É preciso não esquecer que hoje
em dia territórios da Síria estão sob
ocupação estrangeira (israelita). O enfraquecimento deste regime,
ou mesmo o seu derrube, pode abrir o apetite dos planos imperialistas de
ataque ao Irão, utilizando como pretexto o seu programa nuclear.
Pode mesmo levar a uma nova desintegração de estados na
região e a um efeito dominó de
desestabilização e matanças, algo que trará novas
guerras e intervenções imperialistas.
No passado, a União
Soviética manteve relações estreitas com a Síria e
o partido governamental Baaz. Como
avalia esta posição e como tal facto influencia a actual
posição do KKE face à Síria?
Depois da II Guerra Mundial, graças
à influência da URSS, devido à sua
contribuição na vitória Antifascista, à
superioridade do socialismo na reconstrução do país,
à formação de democracias populares na Europa de Leste e
ao colapso do colonialismo, houve desenvolvimentos positivos que
contribuíram para mudança da correlação de
forças, a nível mundial. Naturalmente, o sistema imperialista
internacional continuou poderoso, apesar do fortalecimento indubitável
das forças do socialismo. Justamente depois do fim da guerra, o
imperialismo, sob a hegemonia dos EUA, começou a GuerraFria e elaborou
uma estratégia para minar o sistema socialista e o reagrupamento das
suas forças. Desenvolveuse uma rivalidade entre os dois sistemas, a
nível mundial.
Naquele período, numa
série de países, como a Síria, a questão da independência
nacional e a união em torno deste objetivo eram as questões
cruciais. Sem dúvida que a aquisição da
independência nacional por parte das colónias constituiu uma
primeira e básica condição para a superação
do atraso no desenvolvimento, que predominava em todos os setores da vida
social. A URSS e os restantes estados socialistas elaboraram uma política
de cooperação, económica e de outras formas, e de
apoio a novos regimes – de entre outros, ao da Síria –, para
que não fossem assimilados pelo mercado capitalista internacional e pelas
uniões imperialistas, e também para fortalecer, nas frentes
governamentais, as forças que estavam a favor de uma
orientação socialista.
Este esforço da União
Soviética para desenvolver relações económicas e
até alianças com alguns estados capitalistas, contra as mais
poderosas potências imperialistas, foi desejável e
compreensível, já que debilitava a frente unida dos
imperialistas, dispersavalhes forças – ainda que temporariamente
– e utilizava as contradições no campo imperialista. O
problema é que esta política conjuntural (estatal) da URSS, que
em certos países se expressava a um nível económico,
diplomático, ou outro, foi elevada a princípio e transformouse
numa teoria que se apresentava e da qual se falava como a “via não
capitalista de desenvolvimento”, o que criou confusão no
movimento revolucionário internacional. Não existe, como a
prática provou, uma “terceira via para o socialismo”.
É claro que o nosso Partido procura tirar
conclusões da história do movimento comunista internacional.
Assim, a posição actual do KKE – por exemplo, contra a
guerra imperialista na Líbia –, não significa, seja em
que caso for, aprovação do regime de Khadafi, com o qual, de
resto, nunca teve quaisquer relações. Tampouco a nossa
oposição à possível intervenção
imperialista na Síria, ou ao possível ataque imperialista contra
o Irão, significa que renunciemos à posição
crítica que o nosso Partido mantém para com os regimes burgueses
destes países.
Com esta orientação,
os comunistas, centram a sua atenção no principal, que
é, neste momento, a guerra imperialista e intervenções
similares na região, com a participação do nosso
país.
Em que medida a
participação dos partidos comunistas sírios na
“Frente Patriótica” do partido governamental Baaz influencia
a posição do KKE?
O KKE
tem em linha de conta as posições e as apreciações
dos partidos comunistas nos outros países. Apreciamos a
posição antiimperialista firme dos comunistas na Síria,
assim como a sua contribuição no esforço de
reconstrução do movimento comunista internacional. Recentemente,
pouco antes de rebentarem estes específicos acontecimentos, Amar
Bagdash, Secretáriogeral do CC do PC sírio, tinha visitado o
nosso país, a convite do KKE. Então, tivemos oportunidade de
trocar pontos de vista sobre os desenvolvimentos na nossa região. Conhecemos
e apreciamos a acção dos comunistas na Síria contra
a deterioração das relações de trabalho, a
“liberalização” dos despedimentos, pelo
estabelecimento do direito à greve, contra os planos de
privatização da terra e contra a lei para a
privatização das instituições de utilidade
pública e, em geral, contra a integração da Síria
nas organizações imperialistas. Temos, naturalmente, em consideração as suas
posições. Contudo, o KKE procura sempre efectuar a sua
avaliação sobre os acontecimentos, tendo também em conta a
sua própria experiência e apreciações.
Por exemplo, a experiência
histórica do nosso partido e do movimento comunista internacional
levounos a considerar que é um erro dividir a burguesia em
“especuladora” e “patriótica” e procurar
alianças com a segunda. Além disso, esclarecemos que o poder ou
está nas mãos da classe burguesa ou nas mãos da classe
operária. Não pode haver um poder intermédio!
Assim, procedemos à
abordagem do regime burguês do Baaz (Partido Socialista Árabe), na
Síria – que, pelas suas próprias razões teve um
duro e longo conflito armado com o estado imperialista de Israel e, portanto,
com os EUA –, assim como de outros projectos imperialistas na
região, com base na análise de classe e sem
idealizações.
Apoiamos a exigência da
retirada imediata de Israel dos territórios sírios e de todos os
territórios árabes ocupados pelo exército israelita, com o
apoio dos EUA e de outras forças imperialistas. Além disso, apoiamos
plenamente o direito de cada povo, e desde logo do povo sírio, a
determinar o seu próprio futuro sem intervenções
imperialistas estrangeiras, sejam de carácter militar,
económico, ou de manipulação ideológica e
política.
Qual é a proposta do KKE
para o povo grego e povos da região?
O KKE dirigese à classe
operária e aos povos
da região e sublinha que os seus interesses se identificam com a luta
conjunta antiimperialista e antimonopolista, pela desvinculação
das organizações imperialistas, a abolição das
bases militares e das armas nucleares estrangeiras, o regresso de forças
militares das missões imperialistas e a integração
desta luta na luta pelo poder.
Com base nisto, os povos podem
viver em paz, criativamente e utilizar os recursos naturais, que
virão a pertencer ao povo, para seu próprio benefício,
para satisfação das suas próprias necessidades.
Condenamos as guerras
imperialistas, injustas, e lutamos para que o nosso país se desvincule
delas! Contudo, sabemos que
as guerras – que são a continuação da
política por meios violentos – são inevitáveis
enquanto a sociedade estiver dividida em classes, enquanto existir a
exploração do homem pelo homem, enquanto prevalecer o
imperialismo.
A substituição
da guerra pela paz, a favor dos povos, não é possível
sem a substituição do capitalismo pelo socialismo, porque a
paz imperialista prepara novas guerras imperialistas.
1 Jornal do Partido Comunista da Grécia
sigla, em grego: KKE.
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Translation
provided by pelosocialismo.net
e-mail:cpg@int.kke.gr